As mulheres frequentemente têm uma função crucial em conflitos ambientais sobre a extração de petróleo, mineração e atividades madeireiras, criação de camarões e plantação de árvores. Essas corajosas mulheres não duvidam em desafiar ao poder político, os tiranos locais e a violência armada para proteger os recursos naturais circundantes, dos que elas e suas famílias dependem. Portanto, elas protegem sua cultura, forma de vida, lugares sagrados, meios de sustentação, etc. Apesar de que esse fenômeno é muito espalhado, continua sendo pouco estudado, bem como o empoderamento que as mulheres podem atingir através dessas lutas. Este artigo fornece um panorama das diferentes correntes ambientais existentes e sua conexão com suas contrapartes de gênero, para salientar diferentes formas políticas de considerar a função das mulheres nas lutas ambientais.

As correntes ambientais podem apoiar diferentes valores, desde os mais conservadores (por exemplo, conservação de um parque nacional à custa do bem-estar das populações indígenas) até os mais progressivos, onde as preocupações ecológicas e a eqüidade social estão intrinsecamente relacionadas, como é o caso nas mobilizações socioambientais relacionadas com a extração (mineração, atividade madeireira, petróleo) ou processos de produção (criação de camarões, plantações). Para entender essas posições diferentes na arena política, Martínez-Alier (2002) tem proposto organizá-las sob três amplas correntes de ambientalismo -conforme detalhado infra. Além disso, exploramos a forma na que essas correntes articulam com o gênero.

Em primeiro lugar, Martínez-Alier identifica o “culto da natureza selvagem” que promove a conservação de uma natureza prístina, livre de qualquer intervenção humana. Seu apoio acadêmico é frequentemente a biologia da conservação. Comprovadamente, sua contraparte feminista é o essencialismo, onde as mulheres e os homens são considerados como psicologicamente diferentes em decorrência de suas naturezas biológicas, e suas funções atribuídas não são portanto questionadas. A emancipação das mulheres, ou, melhor dito, sua obtenção, é atingida através da valorização das tarefas, características e valores tradicionais associados com seu gênero. Em ambos os casos, a idéia é alocar espaço e/ou corpos a diferentes atividades em forma dualista e complementar, como, por exemplo, a indústria e a conservação -sem questionar o crescimento econômico- ou mulheres e homens -sem questionar as relações de gênero. Os acadêmicos “essencialistas” têm aplicado o enfoque prístino mítico às relações das mulheres com a natureza, alegando que as mulheres estão, devido à sua biologia, mais perto da natureza do que os homens. Isso deu origem a um ramo inicial de ecofeminismo (Diamond e Orenstein, 1990; Plant, 1989), recusado por acadêmicos posteriores que alegavam um ecofeminismo materialista (Mellor, 1997).

Em segundo lugar, a corrente ambientalista da “eco-eficiência” procura fazer com que o crescimento econômico seja compatível com a conservação ambiental, através da mudança técnica e através de políticas econômicas que “internalizam” as “externalidades negativas” do mercado. Hoje, é a corrente dominadora e seu principal apoio acadêmico pode geralmente ser achado na economia ambiental. Aparece em noções como a “modernização ecológica”, “tecnologias limpas”, “contabilidade verde”. Está dominada pelo otimismo tecnológico, e o crescimento econômico é percebido como uma sustentabilidade melhoradora, conforme promove o Banco Mundial. Cada vez mais essa corrente também tende a integrar uma dimensão de gênero em suas análises, mas de forma similar ao enfoque do custo ambiental: como uma variável a ser internalizada. Sua contraparte dentro de estudos de gênero manifesta-se a si mesma através de mudanças políticas e institucionais que permitem às mulheres ter acesso a oportunidades e profissões tradicionalmente masculinas pela discriminação positiva -como um tipo de incorporação de gênero. Os assuntos de gênero e empoderamento são geralmente tratados da perspectiva das mulheres que alcançam os homens através de sua inserção na economia de mercado (trabalho remunerado, acesso à propriedade e o crédito, educação). É frequentemente o modelo masculino ocidental que determina as normas a serem atingidas, cumprindo assim com a ideologia dominadora do desenvolvimento que exige que sociedades não ocidentais alcancem os países industrializados através de sua rápida inserção nos mercados mundiais.

Em terceiro lugar, temos a corrente que Martínez-Alier tem denominado “ambientalismo dos pobres” -ou o movimento de “justiça ambiental” ou “ecologia da liberação” (Peet e Watts, 1996). Essa corrente argumenta contra os impactos negativos do crescimento econômico e, mais em geral, contra a distribuição desigual de benefícios econômicos e impactos socioambientais da industrialização. Manifesta-se através de conflitos socioambientais contra a extração industrial de recursos naturais (atividades petroleiras, de mineração e madeireiras) ou produção industrial de biorecursos (plantações de árvores, criação de camarões). Esses conflitos denunciam e contestam o acesso a recursos naturais e serviços e as cargas da poluição ou outros impactos ambientais que surgem em decorrência de direitos à propriedade desiguais e desigualdades de poder e renda. Os protagonistas desses conflitos são, de um lado, o estado e/ou companhias privadas e, de outro, populações empobrecidas, rurais ou urbanas, integradas por camponeses, povos indígenas ou assalariados, exigindo justiça social. Essa corrente às vezes permanece invisível porque contesta o discurso dominante sobre a economia, mas também porque a categoria dos “pobres” é de alguma forma vaga. A categoria compreende (1) populações urbanas desprovidas, mais ou menos integradas no sistema de mercado, mas incapazes de obter uma renda decente nele; (2) os povos indígenas não integrados no mercado e considerados como “pobres”, apesar de que muitos deles não são pobres, já que se adaptam à riqueza natural circundante sem miná-la; e (3) as populações rurais que se têm empobrecido pelo sistema de mercado e que lutam para proteger os ecossistemas dos quais dependem. Logicamente, nem todas as pessoas pobres são ambientalistas, mas em muitos conflitos ambientais, os pobres estão do lado da conservação dos recursos naturais, por causa de suas próprias necessidades de subsistência, ou para proteger sua saúde. Sua língua não é uma língua unificada; às vezes não é a linguagem da ecologia ocidental, nem é a da economia standard: as populações locais podem usar a linguagem de defesa dos direitos humanos, as urgências dos meios de vida, a necessidade de segurança alimentar, a defesa da identidade cultural e os direitos territoriais, o respeito pelo venerável. No entanto, a linguagem do ambientalismo ocidental está sendo usada cada vez mais por razões estratégicas (comunicação, visibilidade, proteção), porque se ajusta bem a suas demandas e porque há uma globalização das preocupações ambientais. O que é bem interessante, os movimentos socioambientais que conseguiram obter visibilidade internacional são os que têm combinado uma identidade cultural específica (incluindo direitos territoriais, meios de vida, venerabilidade), com elementos de ambientalismo ocidental (conservação do ecossistema, biodiversidade). Esse é o caso, por exemplo, de exemplos bem conhecidos como o movimento dos seringueiros no Brasil (associado com a figura de Chico Mendes), o movimento Chipko na Índia, o Movimento Cinturão Verde no Quênia (associado com a figura de Wangari Maathai), mas também é o caso de muitos outros movimentos, como por exemplo, o movimento de Fundecol no Equador, que luta contra a criação de camarões, etc.

Guha (2000) resume as diferenças entre o “culto da natureza selvagem” e o “ambientalismo dos pobres” conforme segue: “Enquanto os ecologistas do norte têm estando muito atentos aos direitos dos animais e espécies de plantas vitimados ou em perigo de extinção, os ecologistas do Sul têm estado geralmente mais atentos aos direitos dos membros menos afortunados de sua própria espécie”. O apoio acadêmico para essa corrente seria a antropologia ecológica, a agroecologia, a ecologia política e às vezes a economia ecológica.

A contraparte feminista dessa corrente poderia ser chamada de “ecofeminismo dos pobres” ou “ecologia da liberação feminina”. Em muitos conflitos ambientais as mulheres têm uma função essencial -como é o caso dos movimentos mencionados supra. A divisão de gênero do trabalho, poder e direitos de acesso aos recursos naturais, que implicam responsabilidades, conhecimento e esferas de ação específicas fazem com que as mulheres e os homens percebam de forma diferente a exploração industrial. Mobilizando-se para preservar os ecossistemas, as populações femininas empobrecidas assumem ações em novas esferas, começam novas atividades e questionam identidades e relações de gênero dentro de sua própria sociedade. Além disso, em alguns casos, tentam conectar-se com o sistema de mercado através de suas próprias redes organizacionais. Esse empoderamento avança através de um processo ascendente. Os campos acadêmicos que apóiam esses movimentos e analisam as formas em que as relações de gênero estruturam o manejo, as políticas e as mudanças ambientais -e são estruturadas por elas- são ambientalismo feminista (Agarwal, 1992), ecologia política feminista (Rocheleau et al., 1996), ecofeminismo socialista ou materialista (Mellor, 1997; Merchant, 1992), economia política ecofeminista (Mellor, 2006) e economia ecológica feminista (Perkins e Kuiper, 2005; Perkins, 2007; O’Hara, 2009). Enquanto os dois primeiros campos desenvolvem um enfoque de estudo de caso, os dois seguintes estão mais interessados na filosofia da teoria econômica. O último, por sua vez, tende a integrar dois enfoques que incorporam elementos de economia ecológica, como por exemplo, tempo, economias locais, valoração e sustentabilidade.

Frequentemente, a função das mulheres nos conflitos ambientais não é bem conhecida. Às vezes, as mulheres instigam a luta, às vezes lideram e organizam a luta, às vezes interagem com os homens nos conflitos, às vezes confrontam os homens através dos conflitos e às vezes os homens têm funções de liderança em lutas enquanto as mulheres constituem a espinha dorsal do movimento. Isso tem diferentes impactos em termos de empoderamento. Agarwal (2001) propôs uma tabela para analisar as diferentes funções que podem ser assumidas pelas mulheres:

Tabela 1. Tipologia da participação


Forma/Nível de participação

Aspectos
característicos
Participação
nominal
Participação
no grupo
Participação
passiva
Informação
das decisões ex post facto; ou assistência
às reuniões, escutando durante a tomada de decisões,
sem falar
Participação
consultiva
Solicitação
de uma opinião em assuntos específicos, sem
garantia de influenciar as decisões
Participação
específica-ativa
Solicitação
(ou oferecimento como voluntário) para assumir tarefas
específicas
Participação
ativa
Expressão
de opiniões, solicitadas ou não, ou adoção
de iniciativas de outros tipos
Participação
interativa (empoderadora)
Voz
e influência nas decisões do grupo

A função das mulheres nos conflitos ambientais tem o potencial de reparar o desequilíbrio de custos e benefícios do “desenvolvimento” liderado pelas empresas, bem como de impugnar a dominação masculina local. Quando as mulheres participam ativamente nas lutas -seja liderando, organizando ou participando ativamente nas decisões- frequentemente redefinem sua posição social dentro de sua própria cultura, enquanto ao mesmo tempo desafiam à economia global.

Por Sandra Veuthey, e-mail: sandra_veuthey@hotmail.com

Referências
Agarwal, B., 1992. “The gender and environment debate: lessons from India”. Feminist Studies 18: 119–158.
Agarwal, B. 2001. “Participation Exclusion, Community Forestry, and Gender: An Analysis for South Asia and a Conceptual Framework”. World Development 29(10): 1623-1648.
Diamond, I., Orenstein, G.F. (Eds.), 1990. Reweaving the World. Sierra Club Books, San Francisco.
Guha, R., 2000. Environmentalism: A Global History. Longman, New York.
Martínez-Alier, J., 2002. The Environmentalism of the Poor: A Study of Ecological Conflicts and Valuation. Edward Elgar, Cheltenham.
Mellor, M., 1997. Feminism and Ecology. University Press, New York.
Mellor, M., 2006. “Ecofeminist political economy”. International Journal of Green Economy 1: 139–150.
O’Hara, S., 2009. Feminist ecological economics: theory and practice. In: Salleh, A. (Ed.), Eco-Sufficiency and Global Justice. Pluto Press, New York, pp. 152–175.
Peet, R., Watts, M., 1996. Liberation Ecologies. Routledge, Londres.
Perkins, E., Kuiper, E., 2005. “Exploration: feminist ecological economics”. Feminist Economics 11: 107–150.
Perkins, E., 2007. “Feminist ecological economics and sustainability”. Journal of Bioeconomy 9: 227–244.
Plant, J., 1989. Healing the Wounds: The Promise of Ecofeminism. Green Print, Londres.
Rocheleau, D., Thomas-Slayter, B., Wangari, E., 1996. Feminist Political Ecology: Global Issues and Local Experiences. Routledge, New York.